Os jovens não suportam o engano e, partindo desta premissa, tudo indica que querem ser responsáveis pela quantidade e pelo tipo de bebidas que consomem; querem tomar decisões baseadas em factos científicos e não na cultura ou crença popular; querem que a publicidade identifique as suas necessidades, valores e comportamentos sem os vincular, necessariamente, a certos produtos ou marcas; querem construir a sua cultura juvenil em contexto recreativo nocturno e não apenas participar nas acções padronizadas que a indústria recreativa disponibiliza: música, dança, ambiente, bebidas alcoólicas e outros componentes.
Os jovens querem e devem ser ouvidos até porque o problema do binge drinking (consumo de grandes quantidades de álcool em pequenos períodos de tempo) não é apenas da responsabilidade individual de quem consome mas, de igual modo, da responsabilidade social de quem vende, necessitando de uma abordagem séria e colectiva, de forma a não penhorar a inteligência e a capacidade de ganho das gerações futuras. A disponibilidade comercial é um importante factor no estímulo ao consumo de álcool por parte dos adolescentes. Mesmo os menores de 16 anos conseguem comprar bebidas alcoólicas em estabelecimentos comerciais, sendo que a exposição dos jovens à publicidade de bebidas alcoólicas (nomeadamente em eventos desportivos), deveria ser revista e controlada e, em paralelo, trabalhar os mitos sociais e de género (masculino e feminino) associados ao consumo de álcool (os rapazes sentem-se adultos, desinibidos e seguros, as raparigas sentem-se modernas e com o mesmo estatuto de igualdade, relativamente aos rapazes).
Em termos teóricos, não preconizamos o modelo da abstinência obrigatória mas defendemos a cultura de um consumo moderado, efectuado em ambiente seguro e alicerçado em factos científicos que devem ser traduzidos em mensagens credíveis que possam ser utilizadas diariamente por todos nós. Será que estamos todos preparados para aceitar o facto de que não podemos beber mais do que 4 a 5 bebidas numa só ocasião?
O álcool é a substância psicoactiva mais consumida no mundo e a droga de escolha dos jovens portugueses. Em 2005 e segundo os dados do World Drink Trends, Portugal ocupava o 8º lugar do consumo mundial mas o 4º lugar no que respeita ao consumo de vinho. A percentagem de população que iniciou o consumo de bebidas alcoólicas entre os 15 e os 17 anos representava, em 2001, cerca de 30%, tendo este valor aumentado para 40% em 2007.
Hoje, 2 bilhões de indivíduos no mundo usam álcool e 58 milhões estão incapacitados em função deste uso. Os prejuízos decorrentes do uso de álcool num adolescente são diferentes dos prejuízos evidenciados num adulto, porque existem especificidades em cada uma das etapas da vida, da mesma forma que também se registam diferenças no processo metabólico do álcool entre rapazes e raparigas (nestas é mais lento) e até de pessoas do mesmo sexo, dependendo do peso e massa muscular de cada um.
Nos adolescentes e jovens alguns riscos são mais frequentes porque estão associados a uma etapa da vida que tende a caracterizar-se pelo desafio a regras, omnipotência, o adolescente acredita estar magicamente protegido de acidentes (baixa noção do risco), sente-se mais autónomo na transgressão e envolve-se em situações de maior risco e com consequências mais graves. Por estas e outras razões, o abuso de álcool está fortemente associado à morte violenta, fraco desempenho social e escolar, dificuldades de aprendizagem, de relação familiar e de baixa produtividade no trabalho, trabalho indiferenciado ou mesmo desemprego.
A evidência científica revela que quanto mais cedo ocorrer a experimentação do consumo de álcool, mais graves serão as suas consequências e maior será o risco de desenvolvimento de abuso e dependência de álcool. Beber 5 ou mais doses no homem e 4 ou mais doses na mulher numa só ocasião (heavy drinking, binge drinking) aumenta o risco de problemas sociais e de saúde, incluindo doenças sexualmente transmissíveis, acidentes de trânsito, problemas de comportamento, violência, ferimentos não intencionais, aumentando, deste modo, a possibilidade de ocorrência de danos pessoais e sociais e, neste sentido, é também um problema de saúde pública.
Na verdade, os padrões de consumo de álcool estão directamente associados às doenças que produzem. Beber durante as refeições, por exemplo, produz um menor risco de problemas do que beber em festas ou lugares públicos, daqui se infere que o padrão de uso é obviamente determinante, não só em termos de quantidade consumida numa só ocasião, mas também quanto ao contexto de uso.
A explicação centra-se no facto das bebidas alcoólicas serem rapidamente absorvidas na corrente sanguínea e, na presença de alimentos, a sua absorção torna-se mais lenta. Os efeitos do álcool etílico ou etanol são diferentes de pessoa para pessoa devido à variação genética das enzimas metabólicas, podendo este facto contribuir para que algumas pessoas tenham mais tendência a desenvolverem um quadro de dependência alcoólica. Além da influência desta variação genética, os efeitos do etanol no comportamento das pessoas também variam devido a múltiplos factores: doses, ritmo de ingestão, sexo, peso corporal, nível de álcool no sangue e tempo decorrido após a última dose.
O etanol tem também efeitos biofísicos no comportamento: em doses baixas, os primeiros efeitos que se observam são de desinibição e maior actividade; em doses mais elevadas, diminuem as funções cognitivas, perceptivas e motoras. Se pensarmos na associação frequente do consumo de drogas lícitas – álcool e tabaco – estudos publicados pela OMS em 2002 revelam que fumar é um importante factor de risco para promover a progressão da dependência de álcool, isto porque a nicotina pode aumentar a actividade da enzima que metaboliza o álcool (CYP2E1) diminuindo os efeitos do etanol e aumentando a capacidade de tolerância do organismo a esta substância.
Existe evidência científica de que a desigualdade social e as diferenças de classe estão relacionadas com o uso de substâncias psicoactivas, tanto lícitas como ilícitas. Por exemplo, a diminuição do número de fumadores (homens e mulheres) tem aumentado significativamente nas classes sociais mais altas; no que respeita às substâncias ilícitas, estudos demonstram que a pobreza registada em algumas comunidades dos países desenvolvidos é um poderoso factor preditivo para a ocorrência de overdoses de droga, nomeadamente com cocaína e opiáceos.
Consideramos que toda a população, designadamente os consumidores, devem ser informados correctamente acerca das consequências do uso e do abuso de todas as substâncias psicoactivas para que possam tomar as suas decisões e efectuar as suas escolhas de forma informada e de acordo com os preceitos de um Estado de direito democrático. Relativamente às substâncias lícitas, os actores ligados à indústria do álcool têm a responsabilidade de informar a população sobre a forma mais correcta de utilizarem os seus produtos e serviços. Quanto a nós, podemos deixar algumas ideias de como utilizar as bebidas alcoólicas com menos riscos:
1. Não usar bebidas alcoólicas para eliminar a sede.
2. Beber de forma espaçada e com pequenos tragos para saborear a bebida
3. Em ambiente seguro, poisar o copo na mesa entre cada trago
4. Não acompanhar alimentos salgados com bebidas alcoólicas
5. Na hora da refeição, colocar sempre água na mesa
6. Intercalar o consumo de bebidas alcoólicas com sumos e água
7. As bebidas alcoólicas devem ser ingeridas com alimentos
8. Não misturar vários tipos de bebidas nem associar o consumo de álcool a outras drogas.
Autora : Maria Elisabete Abreu, responsável pela área de Redução de Riscos e Minimização de Danos da Delegação Regional do Centro do Instituto da Droga e da Toxicodependência, I.P.